terça-feira, 1 de maio de 2012

RITA LEE DE CORPO FECHADO


O espírito do rock’n’roll parece aos poucos deixar o corpo de Rita Lee. Serelepe desde os tempos dos Mutantes, lá nos anos 60, a ruiva cansou. Aos 64 anos, anunciou que a apresentação em Aracaju (Sergipe), em janeiro deste ano, seria a sua última. Foi um grande último ato: briga com a polícia, ida à delegacia.



Afinal, Rita não poderia se despedir dos palcos de maneira convencional. Não ela. O plano era trocar a correria das turnês pelo gozo de passar os dias deitada na rede. Seria uma “rata de estúdio”, definiu ela após o anúncio. A primeira prova de que Rita Lee, que costuma brincar de mentir em entrevistas, dizia a verdade é o álbum Reza, o resultado de nova parceria com o maridão e músico Roberto de Carvalho.



Cansaço? Falta de paciência com tantas viagens? “Todas as opções acima…”, responde ela, por e-mail. A entrevista é via correio eletrônico, como ela diz preferir há tempos. Uma forma de controle sobre o que será publicado? Talvez. Mais provável é a falta vontade de encarar jornalistas, responder perguntas tão recorrentes, aborrecer-se. Rita solta sua verborragia na conta no Twitter, site que abriga microblogs pessoais. Responder um e-mail, então, dá quase na mesma.



Através dele, Rita pode brincar, desviar da pergunta indesejada e, veja só, responder uma ou outra. Só não fala do show de despedida. “Ainda não posso me pronunciar a esse respeito”, diz. De resto, é impossível ler suas respostas e não imaginar o sorriso sacana e o leve balançar da cabeleira vermelha.



Como se deu a dinâmica entre você e o Roberto neste álbum? Foi feita alguma mudança para garantir essa parceria?
Pedro querido…. Nossa dinâmica nem a gente entende. Onde começa um e termina o outro é a questão. Roberto é o parceiro ideal, é ótimo quando um casal tem o mesmo ofício e se admira mutuamente. Rob põe em prática o que para mim é intuitivo e vice-versa. Cada música é uma viagem cinematográfica, gravamos com Nino Rota (compositor italiano de trilhas sonoras e famoso pelas parcerias com Federico Fellini) na cabeça. A crítica passou batido pelo lado felliniano de Reza. Hehehe.



Em outra entrevista, você chegou a dizer que 70% do álbum é do Roberto. O que você vê de puramente seu nestes 30%?
Certamente meu rostinho bonito e meu corpo escultural.



Em Reza (segunda música do disco, que o batiza, a ser lançada na internet), você pede proteção. Contra o quê? Pergunto isso porque você sempre se mostrou destemida e certa de si.
Destemidos e certos de si são os que mais rezam, bebê.



As músicas Tô Um Lixo e Vidinha me parecem uma sequência: para-se tudo e, depois, queixa-se da tal vidinha besta. Faz sentido para você?
Vidinha foi baseada num amigo nosso que hoje faz tudo certinho e acha que tudo é uma merda. Tô Um Lixo foi inspirada numa perua que estava comigo na sala de espera do dentista. A mulher fez uma plástica que deu errado, tava chorando no ombro de quem chegasse.



Essas canções soam mais autobiográficas, de um jeito irônico ou sarcástico. Concorda? Você se vê nelas, mesmo tirando sarro?
Vocês críticos têm mania de achar que tudo é autobiográfico. Ok, então Chico Buarque é mulher.



Este é um disco em que você se mostra completamente livre, nas canções e nos arranjos. Reza representa uma liberdade plena que hoje você vive?
Música para mim é cinema de ouvido, todas me sugerem trips cinematográficas pessoais. Há filmes bons e ruins, há os clássicos, as chanchadas, os dramas… Roberto e eu assistimos às nossas aventuras musicais no escurinho do nosso estúdio.



Vocês também se preparam para lançar o álbum Bossa n’Movies. Como estão as gravações? Por que decidiu fazer esse disco neste momento?
Meu, começamos a gravar o Bossa’ n’ Movies antes do Reza. Empacamos por dois motivos: primeiro porque os clássicos do cinema mundial são quase infinitos e fechar repertório é quase impossível; segundo porque já estávamos com músicas inéditas saindo pelo ralo. Bossanovear clássicos é uma delícia, músicas e letras que já existem e você só precisa de arranjos diferenciados, o contrário de começar um trabalho do zero, o desafio é bem maior, but I like it! (“mas eu gosto!”, em inglês).



São quase três meses desde que você anunciou a aposentadoria. Como está a vida de ‘rata de estúdio’? Já sente saudade?
Ainda me sinto confortável na rede, se um dia bater vontade pego minha guitarra e vou pra farra. Eu sou bipolar, tudo pode acontecer.



Resolveu parar por cansaço ou falta de paciência? Tem volta?
Todas as opções acima…

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