terça-feira, 15 de maio de 2012

Aos 67 [corrigindo 64 ] anos, a cantora não perde o vigor criativo e a irreverência Irlam Rocha Lima


Aos 67   [corrigindo   64 ]  anos, a cantora não perde o vigor criativo e a irreverência
Irlam Rocha Lima




Rita Lee, a eterna ovelha negra do rock nacional, sempre quis estar na contramão. Não foi surpresa, portanto, quando na noite de 29 de janeiro último, durante um show em Aracaju, investiu asperamente contra policiais sergipanos, saindo em defesa de fãs que supostamente fumavam maconha. A reação lhe trouxe consequências desagradáveis, como um processo na Justiça.

Não por acaso, Reza, seu primeiro disco de músicas inéditas depois de quase uma década, traz na abertura Pistis Sophia, cantoria para espantar os males, uma espécie de exorcismo, inspirado na religiosidade nordestina, na qual, como uma carpideira, diz: “Nossa Senhora Aparecida/ Dai-me força nessa vida/ Pra remar meu barco até o porto/ Deus é pai, num é padrasto/ É salvador, num é carrasco/ Escreve certo meio torto…”.

Saudado com entusiasmo pela crítica, Reza está dando o que falar, a começar pela faixa-título, presente na trilha sonora da novela Avenida Brasil, um quase mantra, em que fecha pedindo: “Deus me acompanhe/ Deus me ampare/ Deus me levante/ Deus me dê força/ Deus me perdoe por querer/ Que Deus-me-livre-e-guarde-de-você”. Sobre o conteúdo do álbum, a cantora revela: “São 14 orações: cristãs, pagãs, porraloucas, mundanas, nirvânicas, macumbinha caseira, coisa de benzedeira. Tudo gravado na garagem de casa, very rock’n’ roll”.

Dessa nova safra de canções, quatro ela assina sozinha: Pistis Sophia, Bixo grilo, Bagdá, Bamboogiewoogie. As outras 10 ela compôs com o eterno parceiro — ela prefere chamar de cúmplice — Roberto Carvalho, entre elas Tô um lixo, Divagando, As loucas, Tutti fuditti, e o hit instantâneo Reza. Há, ainda, Pradise Brasil, com letra em inglês, que termina misturando Tropicália com Carmem Miranda, muamba com macumba.

Prozac auditivo
No texto que escreveu para a revista Cult, Ed Motta, parceiro eventual de Rita, afirma que Paradise Brasil é a sua favorita e explica o porquê: “Esse tema deveria tocar no mundo inteiro. Um house-disco com a excelência de arquitetura pop, que papai do céu presenteia poucos. Prozac auditivo, alegria e euforia de champanhe, a festa glamorosa, sempre presente na música dos dois”.

Mestra em desafinar o coro dos contentes, em As loucas, ela manda: “Eles amam as loucas/ mas casam com outras/ Loucas fatais/Loucas de pedra/ Loucas varridas/ Loucas fudidas/ Loucas molhadas/ Loucas taradas/ Loucas getiche/ Loucas haxixe…”. Meio de saco cheia de muita coisa, Rita usa Vidinha para desabafar: “Vidinha besta/ Vidinha furreca/ Vidinha chinfrim/ ô vidinha de merda…”

Entre rock, pop, climas psicodélicos e batidas eletrônicas, Rita fez um disco para gostos específicos (os admiradores) e variados (o público em geral), com texto afiado e pertinente. Sob a batuta de Roberto Carvalho, à guitarra e teclados e programações eletrônicas, conta com o auxílio luxuoso do filho Beto Lee (guitarras e vocais), Iggor Cavalera (bateria), Serginho Carvalho (baixo), João Parahyba (bateria), Apollo Nove e Débora Reis (vocais).

Entrevista Rita Lee

Rita, por que privou os fãs de um disco de inéditas por tanto tempo?
Preguiça, meu amor. Preguiça de sair de casa, enfrentar o trânsito de Sampa, pagar aluguel de estúdio e por aí vai. Depois que a nossa garage-studio ficou pronta, ainda demoramos três anos para tomar coragem e começar a gravar feito gente grande. Mas agora a gente não para mais.

Entre as canções do Reza, a maioria foi composta recentemente?
Já preguiça de compor, nunca tivemos. Há músicas como Pistis Sophia, Bagdá, Tutti Fuditti, Reza e Bambooguie, que foram compostas durante esse hiato. As que fizemos no estúdio foram Vidinha, Tô um lixo, Rapaz, Pow, Divagando. Deixamos de fora do disco várias, dá pra gravar outro trabalho só com inéditas.

Reza, a canção, soa como um mantra. Era esse o objetivo?
Reza é uma oração de autoproteção, coisa de benzedeira, macumbinha caseira e, claro, um mantra diário.

A letrista tão afiada, sempre ligada em tudo, cria versos só com a inspiração ou há necessidade de transpirar para criá-los?
Não sei responder assim na chincha, o que me inspira é minha vida e o mundo ao redor. Às vezes, baixa o santo e psicografo em cinco minutos, em outras o santo baixa em doses homeopáticas, e em outras ainda sou eu mesma, mas transpirar não transpiro, não.

Sons eletrônicos são tão bons quanto o som da guitarra de Roberto?
A guitarra de Roberto é poderosa e porreta, ele e Beto Lee são os reis do meu iê-iê-iê. Sempre fui chegada a eletronicidades, quando fiz parte dos Mutantes eu viajava muito sozinha para trazer instrumentos que ninguém tinha, como melotron, minimoog, theremin, clavinet e outros balangandãs.

Trinta e cinco anos depois, a longeva parceria com Roberto Carvalho mantém-se com viço. Qual é o segredo para a permanente alquimia?
Não é uma receita de bolo, está mais para sorte de ganhar a Mega-Sena. São 36 anos de parceria musical e amorosa, três filhos e vários hits, temos os dois gênios fortes, ambos brigam para que uma música saia nos trinques. Trabalhar com Roberto é uma inesgotável fonte de admiração, sou apaixonada por ele.

Como alguém tão em forma se autoproclama “um lixo”?
Você deve estar se referindo à música Tô um lixo… Pois é, a letra foi inspirada numa perua simpática que encontrei na sala de espera do dentista. A mulher chorava nos ombros de quem estivesse perto por conta de uma plástica que deu errado, ela dizia eu era tão linda, hoje tô esse lixo disforme e deprê... Realmente, não posso reclamar, pra 67 anos eu tô bonitinha.

Lixo é a politicagem neste país. Como você avalia essas denúncias sujas que não param de rolar?
Cruzes, é cada porrada que recebemos da bandidalha que assola Brasília que Deus me defenda. Era para a gente já estar acostumada, mas teimo em acreditar que dias melhores virão. Sou apaixonada pelo meu país, penso que o voto obrigatório é em grande parte responsável pela eleição desse bando de escrotos que não param de nos assaltar. Voto não é dever, é um direito.

Quem não pode parar é a mãe do rock brasileiro. Teremos uma turnê do Reza?
Oh, my dear, por enquanto estou bem do jeito que estou, but who knows, como diria Doris Day, que será, será!

Dilma Rousseff está mandando bem?
Não tenho votado nas últimas eleições, pago multa, mas não pago mico. Nunca acreditei que Dilminha (é mais jovem que eu) fosse boneco de ventríloco do Lula, o tempo tem provado que eu tinha razão. O que empaca a vida dela é o lixo que herdou do governo anterior. Aconselho nossa presidente a cantarolar Reza assim que acordar de manhã.

Reza
CD de Rita Lee com 14 faixas, produzido por Roberto Carvalho e Apollo Nove. Lançamento Biscoito Fino. Preço: R$ 29.



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